Eudemonia – o irmão mais velho da felicidade.
Eudemonia Do grego “Eudaimonia” Eu = Bom; Daimōn = Espírito (maior definição em baixo) |
Daimōn é conceito complexo, em si, que se desenvolveu ao longo da história – o suficiente para necessitar de uma explicação à parte.
Etimologicamente, daimōn originará da PIE (língua protoindo-europeia) *dai-mon que significa “divisor” ou “repartidor”, com origem na raíz *da- (dividir).
Homero (Ilídia e Odisseia) usa o termo como uma divindade, praticamente sinónima de Deuses, denotando-se, ainda assim, como entidades diferentes – apesar de similares.
Hesíodo (poeta grego da Antiguidade) diz que os homens da Era de Ouro tornaram-se daimones benevolentes na Terra, pela vontade de Zeus.
Assim, estes daimones não são Deuses, mas “agentes” ou “ministros” dos Deuses – ocupando uma posição intermédia entre a plenitude divina e a limitação humana.
Platão descreve-os como filhos ilegímitos dos Deuses.
Com o tempo, e devido ao medo de colocar a culpa de infortúnios aos Deuses, os daimones começaram a ocupar essa posição – associando-se, assim, não só ao destino, mas em especial à má sorte, angústica, sofrimento, doença e morte.
Esta ideia desenvolveu-se de uma noção geral, para um aspecto mais individualista (encontrado em Platão e Aristóteles e, depois, no período Helenístico).
Assim, cada homem tem um daimon, logo do nascimento, que o guia e inicia nos mistérios da vida.
Surge, ainda, a crença da existência de bons e maus daimones (aspirações e conquistas benignas VS desejos e acções malignas).
Esta evolução do termo, culmina – pelo menos, etimologicamente – no surgimento da palavra «demónio», o que não deixa de ser curioso.
Demónio Do Latim “daemon“ Do Grego “daimōn“ |
Eudemonia é o irmão mais velho da felicidade (ainda que, curiosamente, em inglês por exemplo, felicidade seja a tradução directa de eudaimonia).
Aristóteles ajuda-nos a compreender este conceito.
Telos é o fim, o objectivo, o propósito, a finalidade.
Um escritor tem como telos a escrita de livros.
No entanto, para um editor, o seu telos é diferente: ele pretende editar o livro – ou seja, o escrever o livro do escritor, é apenas um instrumento para que o editor possa alcançar o seu próprio telos.
Subsequentemente, a edição do livro é também apenas um instrumento para o leitor – que pretende ler o livro.
Esta lógica em cadeia pode ser aplicada a qualquer actividade – ou seja, qualquer actividade tem um telos, uma finalidade, que é apenas um instrumento para uma actividade superior.
(exemplo usado em Uma História da Filosofia = pessoas que faz espadas < soldado que pretende incapacitar o adversário < governador que diz ao soldado com quem e onde lutar.)
Ora, disto levanta-se uma questão: qual é a finalidade suprema? O telos mais elevado?
Será aquele que não é um instrumento para outra finalidade superior.
Daí, surge a noção de eudaimonia – a finalidade que todo o ser humano procura.

Por não ser um instrumento, Eudemonia não pode ser riqueza, nem saúde, nem prazer, nem honras – pois todos estes aspectos são instrumentos – falaciosos ou não – para chegar à eudemonia.
(“Quando eu ganhar o euromilhões é que vou ser feliz!” induz que o instrumento trará a finalidade).
Então, se dinheiro não é felicidade, se prazer não é felicidade, se saúde não é felicidade – como é que obtemos esta finalidade suprema?
Aristóteles diz-nos que temos de viver de acordo com a nossa função, enquanto seres humanos. E qual é essa função?
Um escritor é bom, pela competência a escrever um livro.
Um pianista é bom, pela competência a tocar piano.
Um professor é bom, pela competência a ensinar.
Fazer o trabalho (escrever, tocar, ensinar – designado por ergon) e fazê-lo bem, é a virtude (arete) de um escritor, pianista ou professor.
Assim, para atingir a eudemonia, um ser humano tem de “fazer bem” o seu trabalho enquanto ser humano, ou seja, viver e actuar de acordo com a sua virtude.

Aqui, entra também a lógica da origem da palavra – bom daimon – já que, se cada pessoa tem um daimon individual que nos guia, então ao estarmos alinhados com o daimon, estaremos alinhados com a nossa função.
Amanhã falo sobre a virtude, que já é hora de almoço.
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