Marco Aurélio
O Império Romano e o Estoicismo
Três figuras do estoicismo destacam-se das restantes – Epicteto, Séneca e Marco Aurélio.
São particularmente interessantes, não só pelo legado filosófico que deixaram, mas também pelas suas distintas origens e posições na vida – afinal, falamos de um escravo, um dramaturgo e um imperador.
MARCO AURÉLIO

- VIDA
Entre 96 e 180 EC, o Império Romano foi governado por uma sucessão de imperadores que ficaram conhecidos como Os Cinco Bons Imperadores, devido à prosperidade que marcou os seus reinados.
Nestes cinco, estão incluídos: Nerva, Trajano, Adriano, Antonino Pio e, por fim, Marco Aurélio.
Algo particularmente interessante nestes cinco imperadores, são as suas origens, em contraste com quem os sucedeu:
- Nerva foi eleito após o assassinato do seu antecessor – Domiciano;
- Trajano era filho adoptivo de Nerva;
- Adriano era filho de um primo de Trajano;
- Antonino Pio era filho adoptivo de Adriano;
- Marco Aurélio era filho adoptivo de Antonino Pio.
Após a morte de Aurélio, o seu sucessor foi o seu filho biológico – o que, curiosamente, marcou também o fim deste período unificado do Império Romano.
Marco Aurélio nasceu a 26 de Abril de 121 EC, durante o reinado de Adriano, tendo o seu pai falecido ainda era ele muito jovem. Foi, por isso, criado pela sua mãe e pelo seu avó.

Nada indicaria, por esta altura, que Marco Aurélio viesse a ser um imperador, havendo, por isso, poucos registos da sua infância e adolescência.
Adriano tinha eleito como seu sucessor Lúcio Élio – o seu filho adoptivo – mas este faleceu inesperadamente pouco antes do próprio Adriano, deixando-o sem herdeiro.
Assim, e já num estado de saúde débil, Adriano nomeou Antonino Pio como seu sucessor, exigindo-lhe, no entanto, que este adoptasse Marco Aurélio (então, já com 17 anos) e Lúcio Vero (filho de 7 anos de Lúcio Élio).
Enquanto filhos adoptivos, ambos tornaram-se herdeiros de Antonino.

Como herdeiro do Império Romano, Marco Aurélio recebeu uma educação cuidada e vasta, digna de um imperador.
As suas visões filosóficas, no entanto, desde cedo entraram em conflito com a sua nova condição de vida, já que passou a viver num palácio, numa envolvente diferente daquela onde cresceu:
“Onde a vida é possível, é possível viver uma vida correcta; a vida é possível num palácio, por isso é possível viver uma vida correcta num palácio.”
Marco Aurélio
Na sua obra – Meditações – Aurélio começa por agradecer a várias figuras importantes da sua vida, entre elas, os seus professores que o ajudaram a equilibrar a filosofia com a vida exigente de um imperador.
Quando, em 161 EC, Antonino morreu, Marco Aurélio tornou-se co-imperador, em conjunto com o seu irmão adoptivo Lúcio Vero.
Foi a primeira vez que o Império Romano foi governado por dois imperadores em simultâneo, uma exigência do próprio Marco Aurélio aquando da sua nomeação.


Este reinado conjunto durou 8 anos – até 169 EC, ano da morte de Lúcio Vero e, daí, Marco Aurélio governou sozinho, até 177.
De 177 a 180, tornou-se novamente co-imperador, em conjunto com o seu filho Cómodo.
Os anos em que Marco Aurélio governou não foram pacíficos:
- Em vários pontos geográficos do reino, guerras despoletaram – contra o império Parta, o Reino da Arménia e os povos germânicos;
- O crescimento do Cristianismo – que, por esta altura, não estava em concordância com as tradições pagãs politeístas romanas – levou à perseguição dos próprios cristãos;
- Por volta de 165 EC, a peste antonina, que perdurou até 180, desvastou o Império Romano. Terá causado a morte a mais de 5 milhões de pessoas – entre elas, possivelmente o próprio Lúcio Vero (em 169) e o Marco Aurélio (180).
E mesmo na sua vida familiar, Marco Aurélio viveu graves mágoas.
Do seu casamento de mais de 30 anos com Faustina (sua prima materna), apenas 1 rapaz e 4 raparigas dos (pelo menos) 13 filhos que tiveram, sobreviveram.
O seu único filho e herdeiro – Cómodo – apesar de ter sido vastamente educado e até, como já mencionado, co-imperador em simultâneo com o seu pai, revelou-se uma desilusão e pouco capaz para o cargo.
Isto ficou patente na sua governação, após a morte de Marco Aurélio em 180, marcada pelo comportamento errático, estilo mais ditatorial e falta de perspicácia política e militar, que culminaram no seu assassinato e no começo de uma era de instabilidade política que perdurou pelo século seguinte.

- FILOSOFIA
Escava dentro de ti: é lá, no fundo, que encontrarás água – a bondade. E enquanto continuares a escavar, ela continuará a fluir.
Marco aurélio
Foi Abraham Lincoln quem disse:
“Nearly all men can stand adversity, but if you want to test a man’s character, give him power.”
E, em poucos casos, esta ideia é tão explícita como com Marco Aurélio (e, em contraste, com o seu filho).
Enquanto imperador, o poder que Aurélio tinha, é quase inconcebível nos dias de hoje.
Falamos de um império que governou qualquer coisa como 70 milhões de pessoas, num território desde a actual Escócia até ao Médio Oriente, Egipto e Marrocos.

By Tataryn – Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=19625326
E se na história não faltam exemplos de que “poder absoluto corrompe absolutamente”, Marco Aurélio destaca-se exactamente por ser uma excepção.
O historiador Herodiano, escreveu sobre ele:
“Sozinho de entre os imperadores, ele provou a sua aprendizagem não por meras palavras ou conhecimento das doutrinas filosóficas, mas através do seu carácter irrepreensível e no modo de vida moderado.
Assim, a sua dedicação ao estoicismo – e aos princípios da moderação, autocontrolo, justiça, respeito e coragem – é particularmente impressionante considerando esta sua posição no mundo, onde tantos outros viram a linha entre o correcto e o incorrecto desvanecer.
Aurélio, desde cedo, desenvolveu um grande interesse pela filosofia, não apenas numa visão teórica e introspectiva, mas também na sua aplicação prática, na procura ética por uma vida boa e justa, procurando assim, tornar-se também num imperador mais capaz.
Cuida para que não trates a desumanidade como ela trata os seres humanos.
Marco AUrélio
As suas visões estoicas terão tido origem no seu professor – Júnio Rústico – que também foi quem lhe apresentou a obras de Epitecto.
Aurélio tinha uma grande admiração pelo seu professor. Agiu como seu discípulo e honrou-o aquando da sua morte. Na sua obra – Meditações – Aurélio deixa-lhe um agradecimento particular:
De Rústico, recebi a impressão que o meu carácter requeria evolução e disciplina; e dele aprendi a não me perder em devaneios sofistas, a não escrever sobre temas especulativos, a não declaram orações sem profundidade, a não me intitular um homem que domina as paixões ou a praticar caridade por mera exibição.
Meditações trata-se de uma colecção de ensaios, escritos ao longo de uma década, por entre períodos de guerra, campanhas e batalhas.
São, assim, pensamentos que nascem exactamente do contraste entre as perspectivas de Aurélio sobre a vida e os conflitos de um império – o balanço entre a realidade e os valores filosóficos, mais concretamente, estóicos.
A alma é como uma esfera em equilíbrio: nem tentando alcançar coisas à sua frente, nem recolhendo-se em si. Não se disseminando em fragmentos, nem se encolhendo; mas banhada em luz e vendo a verdade, interior e exterior.
marco aurélio

Termino com algumas citações da sua obra, onde se espelha – em suma – os desafios que a realidade apresenta a qualquer ser humano que procure uma vida digna, justa e boa.
Vê como eles se comportam a comer, a dormir, a copular, a excretar, e tudo o resto; depois, como eles ordenam, exultam, se entregam à fúria e à tirania. E no entanto, considera as coisas às quais se submetiam ainda há pouco – e com quem fim – e tudo o mais a que eles irão submeter-se daqui a pouco tempo.
marco aurélio
Viver uma boa vida: temos potencial para isso. Se conseguirmos aprender a ficar indiferentes às coisas que não têm importância (…) Elas não se impõe a nós; elas permanecem perante nós, imóveis. Somos nós que fazemos juízos acerca delas – e as inscrevemos no nosso espírito. Apesar de não termos de o fazer. Podemos deixar a página em branco.
MARCO AURÉLIO
Nunca deixa de me admirar: amamo-nos mais a nós do que aos outros, mas preocupamo-nos mais com a opinião deles do que com a nossa. Se um deus aparecesse à nossa frente (…) e nos proibisse de escondermos os nosso pensamentos ou de imaginarmos algo sem o dizermos imediatamente em voz alta, não sobreviveríamos um único dia sequer; tal é a importância que damos à opinião dos outros – em detrimento da nossa.
MARCO AURÉLIO
Olha a origem das coisas no seu íntimo. O objectivo dos actos.
A dor. O prazer. A morte. A fama.
Quem é o responsável pela nossa inquietude.
Ninguém nos obstrui o caminho.
Tudo se resume à forma como vês o mundo.
MARCO AURÉLIO
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