Os homens e as moscas

Já escrevi sobre moscas antes – e a verdade é que, dado os curtos ciclos de vida destes pequenos seres voadores, as moscas de que falei, antes, já cá não estão.
Estas palavras, no entanto, vão vertendo conforme o meu olhar se perder no pequeno ponto negro que rasga a atmosfera serena de uma manhã em silêncio.
É certo que este ponto negro não é o mesmo do que os outros, mas também não é assim tão divergente e, no grande espectro das coisas, se chamar a esta mosca Miranda e as todas as outras prequelas e sequelas também, quem ler o acumular das palavras julgará ser tudo o mesmo – e no fundo, é ilusório achar que não.
O voo dela é exaustivo, certamente.
Não são só círculos – esses, se conservado o seu diâmetro, tornam-se em rotinas, e as rotinas não nos esgotam.
Mas não são só círculos, são rectas curtas e mudanças abruptas de direcção, como se alguém continuamente a chamasse de lugares diferentes, opostos até:
Miranda! Miranda!
E ela, coitada, segue a voz – em frente, para trás, ângulo agudo, ora obtuso.

Vejo-a melhor – com maior detalhe e mais acertada definição – quando ela voa em fundo branco.
Nas suas viagens, se calha – do meu ângulo de visão – a sobrepor-se a algo negro, perde-se a mosca; e sou obrigado a esperar que ela volte a mares claros para a conseguir novamente distinguir do que a envolve.
Ela não sabe, não entende, mas somente nos mares calmos, sossegados, podemos contemplar o esplendor que as tempestades escondem;
Ela não sabe, mas presume, desconfia, já que se mantém agora mais nos claros, agora que a observo, do que há pouco quando eu nem sabia que ela existia.
A pergunta é óbvia “Como sabias onde voava ela, antes de saberes que ela existia?”
Sim, eu sei, mas também eu presumo, desconfio; porque requer um certo caos positivo, para aceitar os aspectos plurais da vida.
Esquece a biologia – é só uma mecanismo de defesa, um bypass preventivo – o que realmente difere os homens das moscas?
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