Viagens. (II)


Sento-me nos bancos de madeira enegrecida – outrora foram árvores, agora já ninguém as reconhecesse.

Há um toque particular nestas paredes, um trago envelhecido que navega na atmosfera. Como a madeira destes bancos, que carrega em si as árvores que morreram, também nestes corredores vivem os que por aqui passaram, muitos já cá não voltam. Sento-me e, ao meu lado, uma senhora já na casa dos sessenta olha-me atenta. Está curiosa comigo, sabe que aguardo, não sabe pelo quê.

A senhora também vem para a entrevista?”
Não” diz ela “É a minha filha que está lá dentro.”

Aceno. Um movimento ligeiro. O meu olhar parte dela, mas o dela não parte de mim. Sinto-a a pesar as palavras e quase consigo ouvir a filha a dizer-lhe, esta manhã, “Não me faças passar vergonhas!” e ela não quer que a filha passe vergonhas, por isso pesa as palavras sem as dizer. De súbito, um homem surge do corredor.

Ainda não saiu?”
Não.”

Ele também me olha, mas nele há menos para dizer, e vejo-o a afastar-se de volta ao corredor, logo depois. Como num filme – em que cada cena sucede a anterior, cada personagem aguarda o fim da fala, sem interrupções – o homem desvanece ao longe e a filha surge pela porta da sala. Não é tão nova como imaginei, inconscientemente. Já estará nos seus quarentas.

O pai?”

A mãe pensa; espelha-se no rosto o desalinho de ideias, a expressão que nunca surge nos jovens.

Olha, distraí-me. Não sei para onde foi.”

Olham ambas em redor, mas há um peso particular em mim, de elas para mim. Digo “Ele foi para aquele lado, só não sei para aonde”. A filha agradece-me e logo segue, tal pai. A mãe, contudo, demora-se mais, demorando-se também o mesmo olhar de há pouco, sobre mim. Por fim, começa a erguer-se mas, de soslaio, aproxima-se e sussurra-me:

Não se preocupe que é fácil. Eu também já vim fazer uma licenciatura, há 13 anos, e consegui fazê-la em 3. No fim, ainda me deram 300 e tal euros por ser das melhores alunas!”

De máscara, não lhe vejo o sorriso bondoso, mas sinto-o na mesma. Nada lhe digo, no entanto, porque nada há a dizer; a admiração está nos meus olhos, o respeito na admiração.


Sísifo tem de empurrar a pedra até ao topo da montanha. Ainda hoje ele lá está. Que ela rebole de volta ao início, se assim tem de ser; há beleza na subida, há beleza na descida, há beleza em cada coisa.


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