Categoria: literatura
-
xv
Uma mosca e um livro. Voltei a ter uma mosca no quarto.Assumo que não seja a mesma de que falei antes. Acima de tudo porque, tendo elas uma expectativa de vida entre 15-30 dias, parece-me absurdo desperdiçar um terço disso comigo. Ao sentar-me na cadeira, perto da secretária, ela esvoaçou em zigue-zagues zangados. Talvez tenha-lhe…
-
xiv
Platão diz-nos que há dois domínios: Domínio do Ser – composto pelas coisas perfeitas e imutáveis. As Formas ou Ideias são perfeitas, eternas, a «real realidade», entidades que não se regem pelas leis de espaço-tempo; Domínio do Devir – mundo que os sentidos nos oferecem, das coisas imperfeitas e temporárias, sempre em mudança – “cópias”…
-
xiii
A arte no sexo, na sexualidade e na pornografia. Sexosexus (Latim – possivelmente com origem em Secare “cortar, separar”) Sexualidadesexual + idade (bem mais recente) Pornografiaπόρνη (pórnē = “prostituta”, relacionado com pernanai “vender”)γράφειν (graphein = “escrever”, de gráphō “desenhar, representar por linhas desenhadas”) O sexo é universal, ilimitado e omnipresente. Esta pequena estatueta, descoberta na…
-
xii
ví·ci·o (latim vitium, -ii)nome masculino 1. Defeito ou imperfeição.2. Prática frequente de acto considerado pecaminoso.3. Tendência para contrariar a moral estabelecida.4. Hábito inveterado. = MANIA5. Dependência do consumo de uma substância (ex.: vício do álcool).6. Erro de ofício.7. Erro habitual no uso da língua.8. Mau hábito ou costume que as bestas adquirem. ex·ces·so |eis| ou |es|nome masculino 1. Diferença para mais; demasia; sobejo.2. O que ultrapassa o legal, o habitual.3. Desregramento; desmando.4. Falta de moderação.5. Cúmulo; grau elevado. Excessos e vícios. Somos excessos e vícios. Os nossos pais, coitados, já o eram antes de nós. A natureza conhece o vício. O mundo dá as suas voltas – vê o sol umas quantas vezes, noutras vira-lhe a nuca – mas vai navegando, reverente a uma…
-
xi
Devagar. Estes passos carregam-me: põem-se um à frente do outro, vez e vez, metro a metro, como se o disputassem uma corrida aborrecida, em loop, sucedendo-se sempre o mesmo. Tomam o seu tempo a arrancar da retaguarda, arrastando o peso de x ossos, x articulações, 5 dedos, 5 unhas e uma ânsia de suster o…
-
x
“A morte é só isso, essa ausência. E essa ausência não pode ser dita, não pode ser descrita. Só pelos outros.” Eduardo lourenço “Os pais podem morrer.” Esta frase – e as suas iterações – são, para muitos, a primeira roupa que a morte veste, quando se apresenta. Talvez seja a avó. Talvez o Snoopy,…
-
ix
O treino de um cão começa da forma mais trivial concebível: descobrindo-se o que o motiva o bicho; o que o faz mexer; o que o leva a quebrar o equílibrio do conforto, da estagnação. Se, como na maioria, o que o motiva é a comida – essa necessidade primária, tão competente a desencadear reacção…
-
viii
“Se os bois e cavalos ou os leões tivessem mãos, e pudessem com elas pintar, e produzissem obras de arte como os homens, os cavalos iriam pintar as formas dos deuses como cavalos, e os bois como bois.” xenófanes A percepção não é ver o que existe; é julgar o que existe pela nossa visão.…
-
vii
São os chilreares que se contentam com a aparente omnipresença;São os arrastares dos motores velhos com a pressa de nunca chegar;São os passos que cansam, os ladrares que anunciam, o verdume que cresce, as meias-idades nos rostos das crianças;São os insectos que já não vêm como dantes, e os miúdos que já não sabem brincar;São…
-
vi
Noite. Este ar gélido, que surge da ausência, alenta-me os sentidos. Não sei quem governa os dias, mas quando a carruagem se desvanece, ao longe, e o Hélio descansa da extenuante viagem, os ventos já não são os mesmos. Queima-me o frio, como o sol nunca queimou. Queima-me no inverso: de dentro para fora, do…