“Se os bois e cavalos ou os leões tivessem mãos, e pudessem com elas pintar, e produzissem obras de arte como os homens, os cavalos iriam pintar as formas dos deuses como cavalos, e os bois como bois.”
xenófanes
A percepção não é ver o que existe; é julgar o que existe pela nossa visão.
Ouvi o chilrear de um pássaro, por entre os ramos das árvores que lhe suportam o ninho.
Não o vi – a selecção natural ensinou-o a esconder-se de mim – mas, se não ele mas outro pássaro qualquer – intra ou interespécie – voar da árvore, em busca de alimento, irei atribuir-lhe o chilrear que ouvi, ignorante às diferenças de timbre, de melodia, de intenção.
Tenho uma mosca a partilhar quarto comigo, há dois dias.
Salta em vôos curtos e erráticos, de um nervosismo sinónimo a quem tem pressa de chegar, sem saber para onde vai.
Poisa na minha mão, roça as minúsculas patas dianteiras uma na outra e, com o seu olhar vermelho alienígena, venera-me por ser uma fonte inesgotável de alimento.
Ou, talvez, nada disto seja real. Talvez esteja aqui numas férias merecidas, voando para aqui e para ali como um turista num museu, e observando-me tão profundamente pelo puro fascínio de ver algo diferente.
Talvez uma outra amiga mosca lhe tenha dito “aposto que não és capaz de lhe poisar na mão!” e ela, no encalço de uma fama ousada, cabriola em saltos de coragem até finalmente completar esse incrível feito.
Permito-lhe apenas um segundo – não por lhe ter inveja, mas porque as suas pequenas patinhas, como agulhas, irritam-me a pele e, em reflexo, abano os meus indiferentes dedos, causando uma fuga precipitada da pequena mosca.
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